e, ainda assim, eu durmo com a carta que você me escreveu na mesa de cabeceira. uma carta linda. pra eu não me esquecer de tentar te amar.

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não tenho medo de agulhas mas minhas veias estouram facilmente. assim como os meus nervos. sinto pouco uma parte do corpo; outras sinto mais. por dentro mesmo, depende do momento.
acho bonito ter ossos marcados porque me traz a idéia paradoxal de resistência e fragilidade. acho engraçado ter áreas quentes e áreas frias, secas e úmidas, lisas e porosas, escuras e transparentes, tudo no mesmo corpo. engraçado ter pêlos e umbigo.
engraçado ter orelhas e ter um mundo inteiro entrando por elas. assim como pelos olhos, pela boca… mas orelhas são mais engraçadas.
gostoso ter bicos no peito porque dão uma impressão de coisas bem acabadas. esquisito ter certos lugares abertos que dão pro lado de dentro do corpo. esquisito qualquer um poder ver por dentro da sua boca, por exemplo. esquisita a possibilidade de invasão.
lindo ter veias aparentes e vê-las inchar e desinchar e imaginá-las percorrendo o corpo todo protegendo um sangue azul.
dá vertigem pensar que, a todo momento, tudo está crescendo, diminuindo, se locomovendo, sendo reposto, sendo ferido, se curando ou morrendo.

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instantes de minúcias…

um beijinho bem colocado nos olhos fechados de alguém que se goste muito. sentir o movimento interno dos olhos fechados através das pálpebras, na sua boca.

olhar para o rosto de alguém sem se perder. e conseguir compreender completamente, por um só momento de realidade súbita, que aquele é o rosto daquela pessoa. depois olhar, olhar, olhar, até deixar de ser familiar.

dar um trago de olhos fechados. sentir o percurso da fumaça. soltar a fumaça de olhos fechados tentando perceber em que momento se pode parar de soprar.

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olhos vazios. bem os olhos que ele tanto ama e tanto acredita que são seus olhos de anjo. vazios.
e querer de verdade, eu queria ser menor e sentar sobre uma costela e ficar assistindo meu peito, por dentro, não acontecer em silêncio.

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nunca houve pele tão branca
o corpo dela, nu, emergindo dos lençóis
ela, derramada como se fosse um intervalo. era para estar tão vulnerável mas tinha os olhos mais foscos e a respiração mais agressiva que qualquer outra mulher branca, nua e derramada que havia passado pelos mesmos lençóis já pensara em ter.
com uma boca extremamente simples e rosa, ela pedia como se implorasse. mas ela quase não tinha limites e desenhá-la seria uma perversão. nada no mundo era digno de ser uma representação dela, de tamanha irrealidade que era aquela mulher parecendo um segundo suspenso no tempo.
ele, não acostumado com nada sagrado, tentava se esquivar mas a luz do sol batendo na cama a reconstruía em seus olhos fechados, no lado de dentro da pálpebra.
era impossível. ele seria obrigado.

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estando no avesso da vida, ela fica linda sorrindo e desejando o bem incondicionalmente. é mesmo admirável. mas por dentro corre um rio terrível. de águas pretas, pretas, desconhecidas e tão densas que todos os corpos bóiam no vaivém entre os cantos da boca.

tudo tão prestes a explodir sem que ninguém sequer imaginasse. segredos. ela renegando seus filhos, seus passos, sua dança. ela se pondo no lugar de seus afetos sem saber que isso é irrreversível.

perdê-lo seria aceitável se ela estivesse mais perfeita. mas agora não.

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No me des tregua, no me perdones nunca.
Hostigame en la sangre,
que cada cosa cruel sea tu que vuelves.
No me dejes dormir, no me des paz!
Entonces ganare mi reino,
nacere lentamente.
No me pierdas como una musica facil,
no seas caricia ni guante;
talame como un silex, desesperame.

julio cortazar

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eu tenho sim um coração morno, mais ou menos batendo. e desejo coisas boas, embora não pareça.
tenho muita calma mas não penso em nada que dure para sempre. uma cadeira de balanço que range no meio de um dia mais aflito pra me lembrar de sentir saudades.
fotografias, cartas e algumas palavras arquivadas. que pra mim são bonitas. mesmo as tristes, são bonitas.
tenho sono nas horas erradas, sentimentos atravessados, músculos contraídos, anotações afoitas e tenho uma escova de dente que é uma longa história…
tem um quartinho que é só meu.
posso não ser forte e doce ao mesmo tempo, o tempo todo. mas aprendi a ser sincera, o que é outra longa história. a verdade é que eu avisei.
e me contradigo sim e tenho o tal labirinto no peito. mas tudo que eu deixo de falar não é tanto por não saber como me expressar como é por não ter nada que pulse tanto assim… não ter vontade de correr de braços abertos, nem de saber como serão os meus filhos.
meus planos para o futuro, meu anjo, minha escova de dente…
tudo confirmando o que aparentemente eu já sabia.

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seria lindo se não fosse cruel ele confessar palavras com a ponta do dedo deslizando pelas minhas costas, sem nem querer de verdade que eu as lesse, só querendo fazer as coisas existirem fora do peito dele também. e seria lindo se o meu peito, como o dele, se derramasse às vezes. seria lindo ver saírem lágrimas dos seios cada vez mais brancos.
ter mais gemidos nos olhos, mais sussuros na pele. tudo muito frio pra ser só outono.
nem sempre se pode.

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escondendo folhinhas secas bem no fundo de tudo. só por um vão dá pra ver a sombra de algo que parece ter sido verde um dia. e pessoas nunca vão imaginar que são só folhinhas. eu mesma já as confundi com segredos.

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