meu nome é uma cidade antiga. muralhas, torres, alguns castelos esquecidos e passagens secretas e subterrâneas onde nascem e morrem os amores e os desejos secos. ininterruptamente.
longos anos para me descobrir vila de pedras. longos anos para que eu me construísse desértica e sem cor. e cada vez que alguém pronuncia meu nome, coloca um pouco mais de areia no meu peito.

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cada dia ela acorda diferente mas sempre quer viver tudo. sabe das impossibilidades – todas – mas quer tudo.

um dia desmoronou e nunca mais voltou a acordar com a nuca formigando e com desejos roxos. tentou apagar os traços de amor profundo, tentou apagar a imagem cruel de homem, e tudo o que conseguia era anular pedaços de si mesma.

daí pra frente teria que viver assim, trágica, vazada e de amores leves.

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alguém morreu de madrugada só para provar que podia. só para provar que se morre. que um dia se está vivo, outro dia se morre.
não fez nenhum sentido como não fez sentido o laço verde que ela escolheu naquela manhã nublada e sem vento.
o dia anunciava a angústia silenciosa que mudaria sua vida pra sempre. pra sempre ela seria encolhida e desigual. pra sempre ela seria pouca.
de laço verde, fumando sentada na calçada cinza da cidade cinza, ela pronunciava a fumaça densa como se adivinhasse profecias bizarras. como se escrevesse em detalhes o destino de cada um em pedaços de papel branco, sem identificação, e depois os embaralhasse e então seria como se não houvesse feito nada.
instantes vazios de amor à espera. ela sabia, ela repetia.

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tinha perdido a vontade. depois perdi a senha.
recuperei a vontade antes de recuperar a senha, então acabei criando outro blog algum tempo atrás, mas já não escrevo tanto. de quando em quando, coloco algo novo e sem pressa. o outro é http://ahcoisas.blogspot.com/

bem, acho que é isso.

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a história da flor vermelha

dava pra ver que seria vermelha quando decidisse. era verde e um pouco ridícula, como todas as outras. torta. mas já dava pra ver.
o dia em que se entregou, se entregou tão completamente que secou. secou vermelha.
por afeto e por encanto continuou a existir depois de morta. continuou no lugar privilegiado da casa. desde então, o que era vida virou um prolongamento quase amorfo, tão desnecessário, que não é nem eterno nem puro nem nada. um prolongamento que é o retrato lento de sua morte quebradiça.
ao longo dos anos ela tem se dedicado à arte de existir vermelha e seca. nenhuma outra morte resistiu tão bem ao tempo e às mudanças e, agora, na solidão mais eterna e subterrânea, ela aperfeiçoa sua íntima decadência.
um dia comprei um vaso branco. o vaso branco mais bonito de todos os vasos brancos. sua irrealidade se apegou à flor e essa é minha história preferida.

a terra inútil e preta – tão preta quanto qualquer outra – enche o dia.

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ando na fase das coisas possíveis. estou convencida de que, se o que grita o peito não me chega aos ouvidos, é porque assim deve ser. por praticidade talvez. tenho mesmo sido prática e tudo ficou muito mais bege e leve. mais suave e morno. dedico minhas horas para que as coisas funcionem.
se em momentos ignoro completamente a razão de estar aqui agora, instantes depois só isso, só o que vivo, parece possível. não sei o quanto de mim se perdeu. que partes, exatamente, se enclausuraram na casa antiga por achar estúpido abandonar dias perfeitos.
não amanheço mais com folhas mortas sobre os lençóis. todo o cinza que vejo me penumbra e faz palpitar em mim coisas estáveis que há muito estavam adormecidas.
voltei a apertar o passo embora ainda nunca olhe para a frente. hoje fumo o último cigarro do dia com muito mais prazer e tédio. todos os dias acordo sem nem amor nem dor. o ar me falta um pouco, mas existir é mais concreto.

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tudo começou assim…

estava ordenando minha pequena biblioteca pela primeira vez desde que me mudei e pensei que há muito não escrevo… lembrei de um blog que tenho e que foi abandonado em tempos mais conturbados, há quase um ano atrás, mas não consegui lembrar o nome nem a senha para acessá-lo. fiquei chateada a princípio mas, mexendo nos livros pra lá e pra cá, pensei que talvez fosse mesmo tempo de recomeçar. ou de começar uma outra coisa. de lá pra cá muita coisa mudou. não é a mesma cidade, não é o mesmo trabalho, não são as mesmas pessoas, a mesma árvore infinita em frente à janela do quarto. a paisagem não é nada parecida e a casa que abandonei cada dia se torna mais perfeita e irrecuperável. o outro travesseiro agora anoitece vazio e às vezes amanhece no chão. muita coisa mudou. esquecer o nome talvez seja mesmo oportuno. a saudade sempre existe em tudo, desde o primeiro passo – o irreversível – mas como nunca se retorna realmente a lugar nenhum, melhor desejar coisas possíveis.

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saber que, a cada vez que eu retorno à superfície, há sempre uma pessoa a menos a minha espera.

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saber que eu tenho só dois braços e que não tenho tanto peito para tanto frio e que eu seguro firme um homem infeliz em cada mão. e que eu quero muito. e que eu não solto. e que os dias perdem o sentido quando se deixa escapar a coisa exata que se quer. e o que se quer é sempre outra coisa.

ter medo de nunca mais. nossas coisas encaixotadas juntas e agora não ser possível separar nossos caminhos. nem nossas pernas, nem nossos dedos, nem nossos rostos. tudo muito costurado, fios de cabelo no lençol. impossível desfazer certos nós e certos desejos.

e saber que é no meu peito que bate o coração responsável por tantos desencontros…

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são dois posts velhos que estavam perdidos no meio das coisas…

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