é horrível ver que todas as noites uma mulher azul vem me olhar com pecado nos dedos. me olha e se cala sem permissão. é ela que tem sonhado os meus sonhos, desejado meus desejos, temido meus medos. é ela que, com seus olhos negros de mulher azul, tem olhado por mim e para mim e eu não consigo, não consigo.
ela é meu testamento antecipado.
ser um mistério sem sombras.

tenho aberto a mão de tudo e tenho fugido inesperada.
eu pedi, me intoque. mas ela me tocou imprecisa. e agora cada parte de mim foi partida ao meio. e cada meio ao meio. e cada meio ao meio.

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coisas que imagino só pra que não aconteçam:

– tempestades no peito
– perder as palavras pra sempre
– o coração saindo pela boca
– mortes violentas
– pequenas mortes intermináveis
– estar sempre no lugar errado
– esperar. esperar. esperar.
– perder qualquer extremidade do corpo
– ser profundamente infeliz
– perder o chão

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coisas boas de se passar um dia, uma noite e mais um dia numa cidadezinha de interior no meia da semana:

– dirigir sozinha por estradas deliciosas com o cigarro na mao, o cotovelo pra fora e cantando La Barca muito muito alto sem saber a letra
– ficar em hotel. nao precisar arrumar a cama. acordar cedo soh pra tomar cafe-da-manha de hotel por duas horas seguidas, assistindo ana maria braga
– fazer tudo a peh
– comer sanduiche de trailer ouvindo musica sertaneja
– sentar sozinha num bar de uma esquina bonita e vazia no fim da tarde e tomar uma cerveja garrafao gelada por 1,99.
– cumprimentar velhinhos na rua
– parque de diversoes de tres brinquedos
– conhecer o prefeito
– casinhas antigas e sem cor
– comprar frutas no supermercado Paizao, com um desenho de Jesus Cristo na entrada
– terminar de ler Ficcoes do Borges no conforto, na sombra e no silencio da igreja
– ficar na duvida se espirrar dentro da igreja eh pecado
– tentar rezar mas nao saber como comeca e perder o fio da meada. rir sozinha
– comprar um livro que eu queria muito numa livrariazinha quase sem livro nenhum
– encontrar uma minhoquinha na minha couve-flor
– procurar e nao encontrar nenhum fliperama
– assistir quase que toda uma comunidade idosa jogando truco aos berros
– nao entender as leis de transito e ser muitas vezes quase atropelada por bicicletas
– tropecar em arvores
– tomar sorvete de groselha sentada no banco da praca ( e tomar um banhozinho quando ligam a irrigacao atras do banco )
– ficar incomunicavel
– nao ver pessoas tatuadas, nem com piercings, nem roupas esquisitas nem cabelos estranhos
– nao ver ninguem ninguem ningueeeem conhecido
– querer comprar uma camisa xadrez, uma espingarda ou uma vaca leiteira
– nao querer voltar

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no final de uma noite que havia sido minha ele falou que me teria, se eu lhe desse beijos nos olhos antes de dormir. queria que eu lhe desse gotinhas mas gotinhas não me satisfazem mais.
eu dei um beijo angustiado – desses com os quais a gente desenterra coisas preciosas – e ele entendeu que talvez um dia,

sei que ele quis que eu gritasse. e eu gritei, muda, entre um silêncio e outro. mas ele não ouviu porque suas vontades nunca podem vir a ser. porque tudo que está distante é mais perfeito. porque toda imagem borrada cabe melhor em seus anseios.
em vez de gritos ele me ouviu sorrir… de tanto não querer, ele me ouviu sorrir.

eu que nunca fui, hoje estou só. tenho cinco desejos e algumas veias vazias.
com tudo se movendo ao redor, eu, imóvel, estou de passagem.
branca. pesada de arrancar gemidos.
implícita.

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sozinha sozinha sozinha
a casa parece que me engole.

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hoje comprei flores. algumas flores, algumas plantas. e montei um cantinho delas; um altar das minhas devoções cotidianas. comprei um cactus também porque o moço me disse que esse vasinho de cactus, esse mesmo vasinho de cactus, vai estar comigo por muito muito tempo. vai ser meu por anos e anos. e vai pedir quase nada em troca… um pouco de água e um pouco de luz. e ele vai ser meu pra quase todo o sempre.

( notei que ando sentindo um fascínio maior e maior por árvores. e plantas. nem tanto pelas flores, mas as folhas e caules, os troncos têm me causado pequenas paixões. a terra. as raízes ! as raízes… )

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sinto que preciso pedir proteção. preciso ajoelhar um pouco, implorar um pouco.
tenho sido fraca na virada dos dias.
depois da meia-noite eu sinto um medo terrível.
tremo, angustiada.
e isso não me faz bem. parece óbvio mas não é. algumas sensações desagradáveis me elevam. há situações que atravesso de maneira dolorosa mas destemida. essa não.
então eu peço proteção. e peço perdão pela falta de fé, pelo oportunismo, por ser petulante. Peço perdão por ter a carne fraca e a alma também. por ser corrompível, volúvel, instável. perdão por todas as sombras que carrego nos olhos. pelas pedras suadas nas mãos. pelo furor que eu sussuro em seu ouvido, por entre os dentes. perdão por ser doente por dentro. por ter deixado apodrecer alguns órgãos vitais. por ter chorado tantas vezes sem motivo, por resistir a sorrisos. peço perdão por meu coração bater na garganta.
não queria colo. queria só que alguém colocasse a mão na minha cabeca e segurasse com os dedos os nervos que pulsam no canto do meu olho direito. o lado direito das coisas é sempre o mais perverso…

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porque eu tenho sim uma flor de lis incrustada em algum lugar aberto do meu peito. sou pura nesse fim de mundo. a flor no peito, a realeza.
tenho um lírio na nuca, que me sussurra o norte das coisas. tenho um lírio na língua, implorando perdão pra qualquer deus. tenho um lírio brotando da mão. e tenho terra nos olhos. o suficiente.

eu sinto o exato momento em que ter pés é só uma invenção cruel.
quase toco em verdades. mas faísco
e tudo me escapa, lenta e inevitavelmente.

porque meu beijo no espelho é uma flor de lis e eu vivo chorando por signos perdidos. vivo correndo atrás de absurdos. tenho três pontas e em cada uma morre um demônio estreito. morre em silêncio. todos os dias. todos os dias. e em cada demônio, uma flor de lis, a mesma – aquela do peito, da mão, da língua, da nuca – marcada a ferro quente atrás do ombro. eu correndo atrás de absurdos.

um dia quase preciso.
uma reza sem fe gravada num pedaco aspero de pele.
essa, a hora mais dificil.

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oi maria !

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tenho um menino em desespero…
desespero mesmo. de doer. perdeu muita coisa em pouco tempo, o menino. perdeu pelo menos um terço de tudo que existia de carne na sua vida grande mas apertada. perdeu o contato. perdeu muitos beijos. muitos anos. apertado agora está seu coração. de doer. ele todo quase cabe no meu peito agora. quase cabe todo ele no meu peito tão pequeno, acostumado a ser pequeno e sendo pequeno cada vez mais.
ele cabe na minha mão.

queria poder dizer coisas seguras. queria estar certa. mas eu ainda tenho aquilo que mais me importa. desde que eu me lembro, eu ainda tenho, bem ou mal, tudo que existiu pra mim. perdi algumas coisas por parar de enxergar. outras por enxergar demais. mas não, não é a mesma coisa.
eu, que tenho tudo, não saberia estar certa.

então, meu anjo, desculpa não poder te ajudar mais de perto. desculpa ninguém poder te ajudar mais de perto que um abraço…

fique bem.

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