de alguns momentos vazios nasce um desapego terrível com as coisas.
de tantos nãos, a vista ofusca um pouco e adormece opaca.
horas depois, as coisas retomam seus lugares, intransigentes.
a noite preta e sem estrelas, emoldurada por grades e por plantas sedentas, parece dizer nada. acordei com uma música ruim na cabeça e sabia que seria mais um dia.
canso de falar coisas e de ser negada o tempo todo. canso de me abrir e me fechar. por desesperança, me recolho a um universo miúdo que é meu refúgio e que me dá silêncio antes do amor. todos os dias algo se encolhe irreversivelmente e por dentro nasce um jardim estranho de brotos tortos e sementes sem chão. imagino uma paisagem baixa, infinita e sem cor, daquelas que se estendem até um lugar que já nem existe mais, com um cheiro doce e horrível de domingo e o som monótono do mundo girando lentamente. nenhum vento, nenhuma dor, nenhum desejo, nada.
sempre que os meus pés alcançam o dia e a claridade se renova em meu peito, acho quase todo sofrimento inútil. acho ilusória a profundidade das coisas. acho ridículas as pequenezas da vida. mas, à medida em que o mundo se retorce, alguma coisa realmente se transforma dentro do corpo e os pensamentos também escurecem e ficam sem estrelas.
a noite em mim me perturba o sono.